quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Viva o povo Boliviano!

Bolívia: fazendo sua própria história

A grande originalidade do atual processo político na Bolívia concentra-se em dois grandes eixos: de um lado, um ferrenho apego aos ideais democráticos, recusa ao golpismo e aos atalhos fáceis do poder. Por outro lado, o MAS/Movimiento al Socialismo tornou-se um eficiente instrumento de alargamento do processo democrático, indo além das formas tradicionais e limitadas da democracia liberal. A análise é de Francisco Carlos Teixeira e Daniel Santiago Chaves.

Francisco Carlos Teixeira da Silva e Daniel Santiago Chaves



O mundo acompanhou com ansiedade os resultados do plebiscito sobre a nova constituição política do país andino. Sua aprovação representaria a continuidade das transformações operada no país a partir da formação de uma ampla frente nacional, popular e antiimperialista. Sua rejeição, ao contrário, seria uma vitória dos setores oligárquicos e conservadores da sociedade branca boliviana.

Uma história de transes
Na virada do século XXI, a Bolívia parecia estar na borda do precipício. As condições sociais eram péssimas, os índices econômicos patinavam na mediocridade e depois de um breve élan de crescimento, marcado pela festa das privatizações fáceis e rápidas, o país mergulhava no profundo impasse político. A “Guerra da Água” e a “Guerra do Gás” foram alguns dos ápices dramáticos de tal situação. Os fortes anseios populares por transformação eram impedidos de concretizar-se pela repressão presença repressora do Estado branco, oligárquico e neoliberal. Contudo, o vigor dos novos movimentos sociais autônomos, caracterizados por uma sofisticada - e ao mesmo tempo original - interpretação do socialismo, avançavam misturado os experimentos marxistas ao resgate autóctone da cultura quéchua-aymara. Assim, Madre-Tierra, “Pachamama”, ergueu-se em símbolo da originalidade da nova revolução boliviana.

Movimentos Sociais e Transformação
A grande originalidade do atual processo político na Bolívia concentra-se em dois grandes eixos: de um lado, um ferrenho apego aos ideais democráticos, recusa ao golpismo e aos atalhos fáceis do poder. Foi assim que o, MAS, e suas lideranças, aceitaram e cumpriram todo o calendário eleitoral do país, conformando-se com regras claramente elaboradas para dilatar ao máximo o prazo de chegada ao poder dos movimentos populares. Por outro lado, o MAS/Movimiento al Socialismo tornou-se um eficiente instrumento de alargamento do processo democrático, indo além das formas tradicionais e limitadas da democracia liberal. Assim, através de uma combinação dinâmica, intensa e muitas vezes contraditória, o movimento social organizado boliviano combina formas clássicas da democracia liberal com a ação direta e a pressão das “calles” – como os “bloqueos”, as marchas e as ocupações. É esta dinâmica que permite superação da democracia liberal representativa e de suas arcaicas e limitadas formas de organização política.

O significado do plebiscito
Desde antes de sua eleição para a Presidência da Bolívia, quando nós mesmos entrevistamos o então candidato Evo Morales, havia uma forte expectativa em torno da chamada “nova constituição política do Estado”. Sempre que perguntávamos qual sua visão do futuro da Bolívia, Evo nos respondia que isso seria decidido de forma soberana na Assembléia Nacional Constituinte durante a elaboração da nova constituição. Havia uma tremenda fé na capacidade do povo escolher seus representantes e de mudar seu destino. O resultado das eleições, contudo, não foram os melhores para tais expectativas. Embora o próprio Evo tenha sido eleito – e depois confirmado em plebiscito! – como líder nacional prestigioso, as oligarquias locais encasteladas nos departamentos da chamada “Media Luna” aproveitaram-se da oportunidade inédita para o sufrágio direto (antes os governadores eram indicados pelo executivo central) e conseguiram converter-se em lideranças eleitas. Além disso, parte excrescente das antigas oligarquias que dominavam o Estado conseguiu manter um peso razoável no novo parlamento, ainda que abalroadas pelo fenômeno do MAS e, portanto, pouco operantes.

Da mesma forma, o Poder Judiciário, uma elite autoconstituída, representativa da fina flor das elites oligárquicas, barrava sistematicamente toda tentativa do Poder Executivo e dos movimentos sociais em tornar a Constituinte verdadeiramente soberana.

No meio do caminho uma disputa menor – a luta de Sucre contra La Paz para ser a capital efetiva do país - tornou ainda mais precária a Constituinte, que acabou por se tornar refém de forças policiais.

A Crise
As duas principais forças de oposição ao MAS, de um lado a oposição dita nacional, o PODEMOS do ex-presidente Jorge Quiroga e os autonomistas centrados no que seria o embrião do Estado separatista “camba”, o Comitê Cívico de Santa Cruz, esperavam criar um impasse tão grande na Constituinte que, finalmente, paralisasse todo o esforço de construção dos instrumentos constitucionais, legais e democráticos, de mudança no país. Mas não havia por trás destas duas forças uma unidade para conduzir uma efetiva oposição ao governo, na medida em que a primeira não conseguia forjar um novo projeto nacional, e a segunda se mantinha no claustro regionalista.

Contudo, após grave espasmo de violência e da intervenção da UNASUL – em especial do Brasil, Argentina e Chile – o trâmite jurídico foi respeitado. A Constituição foi votada na Assembléia Nacional e, conforme o decreto de sua convocação, apresentada para referendo popular ( algo inédito nos processos de transição pactuada, como no Chile, Argentina ou Brasil ).

A vitória do “Si”!
Os resultados anunciados na segunda-feira, 26 de janeiro de 2009, dão como certa a vitoria do “Si” com possivelmente 59,1% de todos os votos. Nos departamentos de maioria indígena a vitória do MAS foi retumbante: votaram pelo “Si” 78% da população de La Paz; 76% em Potosi; 71% em Oruro e 63% em Cochabamba. Em Chuquisaca, de caráter demográfico bastante mestiço, a aprovação da nova Constituição contou com 51% dos votos locais. Aguarda-se ainda a possibilidade nada surpreendente da apuração dos votos rurais (que geralmente demoram um pouco mais) incrementarem a vitória nacional do “Si”.

Entretanto, nos departamentos da “Media Luna”, de população majoritariamente de origem européia e mestiça, como em Beni, Santa Cruz, Tarija e Pando - os departamentos autonomistas -, o mesmo percentual foi para o "não", e o texto foi rechaçado pelo eleitorado departamental. Com isso, articula-se entre a oposição regional desde um franco desacato aos resultados nacionais até apelos desavergonhados por uma “concertación”, como se, no conjunto, o governo nacional não fosse vitorioso.

Uma vitória particularmente importante dos movimentos sociais foi a aprovação da proposta que limita todas as propriedades territoriais do país a no máximo 5000 hectares. Esta proposição foi aprovada com 78.1% de todos os votos. Claro, a reação dos setores oligárquicos ( soja, pecuária ) foi perplexidade e de recusa a aceitar a vontade majoritária da nação.

As próximas semanas podem ser definidoras para a confirmação de um novo país com mais esperança no futuro, ou para repetir-se novamente uma Bolívia em conflito aberto, no temeroso risco de clivagem territorial. De qualquer forma, o discurso com que Evo acolheu os resultados das votações, marca claramente o início de uma nova etapa no processo de transformação da sociedade boliviana. Para Evo a aprovação da nova Constituição representa o fim do passado colonial do país e a vitória contra o latifundismo e o neoliberalismo.

Francisco Carlos Teixeira é Professor Titular de História Moderna e Contemporânea/ UFRJ

Daniel Santiago Chaves é Mestrando em História Comparada (PPGHC/UFRJ)

Fonte = Agencia Carta Maior e Youtube

0 comentários:

 
© 2007 Template feito por Templates para Você